domingo, 27 de dezembro de 2009

Adoração

Sagrada, Maria nossa, cristalina!
Treva azul, etéreo manto, o gelo
Que te envolve e nos domina.
Esperança, noção feminina,
Em que te cremos o tanto encanto,
Alto e divino o teu zelo.

Não bastasse querê-lo tocar,
Consumir essa materialização de apelo,
Somos ainda a vontade da acção sem fim,
Sem destino ou necessária realidade.
Clamamos! Sereníssima Rainha,
Um vocativo tão maior que nós,

Porque nas estrelas do teu manto
Somos o propósito desses pós,
Fecundos na Caridade dos teus olhos.

Viveremos suspensos sobre o eterno,
Na efemeridade dos segundos,
Do lirismo e da rima prosada,
Porque nos perece à nascença a palavra
Muda que é aos teus sentidos.
E secando-nos as lágrimas e os rios,
Apodrecendo a terra sob sanguíneas marés,
Jazigos seremos na lei imperativa
Que em verbo torna a carne fraca,
Fé professa nesses jocosos pés.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Coito

Foda-se, que merda.
Merda... porra.
Pedes que te foda, não desistes, ah merda…
Merda! …aguenta-la toda.

Merda, que te foda, tão fundo!
E bate tanto, ah merda! Bate tanto e tu tão sôfrego…
E quase, quase tanto…
Ah porra!...quanto prazer!
Articulas a anca, as palavras, e cais, suado,
Sem saber se tão fodido, articulado,
Sangras parido o discurso.

Porra! Gritas mudo por quem te chama,
Arqueias as costas, e merda! Tão fundo,
Gritas mundo na sua ausência, abafado
Morrendo no vermelho do drama…

Ah foda-se! Coroado, cais outra vez,
Parido num Deus no qual não crês,
E tanta dor, tanto encanto, penetra
Mais fundo, e por enquanto nesse leito…merda!

Prostituis a vontade, e mete-lo todo,
Nunca teu pela metade, e gemes que te ama,
E ah! torneia-te a cabeça, o prazer imundo,
A mão que te decapita, caralho!

Mete-lo todo, a palavra inteira que te chama,
E sentes-te perdida, metendo outra vez,
Vagina ou vergalho, não interessa…
Oh merda, bem funda comprida!

Finge, finge essa morte certeira,
Penetras-te toda que a engoles inteira,
Bebendo nesse sangue a merda e o espasmo!
Sabes que nada na vida se lhe rima,
Mas afunda-lo tão fundo na alma, o prazer
Do orgasmo, e do som, mudo e sintético…
Queres a morte? Toma a merda, toma-la toda…
Foda-se!


E agora… parece-te patético…
Merda.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Celebração

Amor, Amor, Amor,
No desespero com que o peço evoco,
Santíssima essa trindade onde me revejo homem.

Amor, Amor, Amor,
Reticências nessas gotículas, com suor Amor,
Onde o desespero é engenho.

Amor, Amor, Amor,
As asas que não tenho, Amor empenho,
Nesses dias onde voo cor.

Cor, Cuore, Cor,
Despenhado, espalhado Amor, nessa tela
Coração a dor que transformo em vela.

Cor, Core, Amor,
Este tempo tão significante navego,
Nesse mar, onde Amor farol o foco.

Amor, Amor, Amour,
Não há tempo que sempre dure,
Somos cor, vocativo calor,
Por isso chamo Amor, Amor, Amor,
Que não há mal que o Amor não cure.


quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Queimada

Antes do fim, desabafo o meu sonho.
É este o fado que velamos
Carpindo a alegria da morte. O cutelo gravítico, que apazigua as palavras.

Seremos aves, nuvens nestas fragas que amam a sereníssima planície.
Aves nessa ausência de verticalidade, onde surge espelho o manto das águas,
Onde ficaremos para sempre na memória das partículas.
A lâmina será rápida, lapidar, e o jorro terno, gorgolejante.
O Silêncio o mais inspirado canto, onde dissipada finalmente a subjectividade.
Governo absoluto que não é de ninguém, o Amor finalmente consumado,
De quem não directamente, mas pela que te ama, te é infinitamente dado.
E céu que somos deste Sol, falhas na tinta lascada destas paredes,
Mergulharemos cidade na absorvência do mar, onde toda a areia é uma pedra.
Carpindo a alegria da morte, antitéticos no desejo,
Acabaremos incinerados pelo astro, e não mais sentidos, seremos urnas.


Nunca contei a ninguém mas o meu maior desejo era ser conjugado no infinitivo.








(Ao longe bradava Alexandre)

Queimem, queimem, queimem tudo! Alexandria, último reduto da luz, testemunho final dos Deuses. Uma pira a mim! exumem este credo, esta sina e toda a vontade, do alto do mundo que é esta apoteose!
Tragam óleo, à palha agora! Queimem, queimem! Morremos filhos de Aurora! Glória, nossa avó que nos fala do manto da terra, a nós as lágrimas de Pandora! Sobeje na paz e na guerra a vontade da morte! Ao Norte! Ao Sul, a todos os pontos e referenciais, num último facho se extinga a Humanidade, que nos pereça na cabeça a mentira e a verdade…
Ao vazio! A única realidade!

domingo, 8 de novembro de 2009

Arrependimento

Não há palavras para realidade tamanha.
No mais repousado dos sonos permeia
Todas as camadas vítrias da alma, à noite
Que se entranha, escorrendo, esse horror.

Raiz semeada por mão alheia,
Aquela que maior o Destino escolhe.
E não havendo coragem, embora não olhe,
Desabrocha esse Cristo na cruz,
Entre folhagem de fátua chama.

Vindo pérfido por detrás
Sussurrando nas costas o medo frio ao pescoço.
Confessa que me ama, e quanta a saudade,
De verter esse tanto sangue, com quanta quantidade,
Implodindo o peito em esforço.
Emoldura-me a cabeça, beija-me a testa,
Essa fervente onírica promessa.
Se fossemos só nós, se tivéssemos sido
Algo mais que este eterno passado.

Tivesse eu querido! Meter-me nessa mão,
Confrontar o Destino e acompanhar a sorte
No caminho poente dessa margem sem sentido,
Onde quis o Universo, que no coração pulsasse pequena a morte.


Ainda dóis.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Salve Rainha

Linda, Linda! Posas rodopiante, estática
Cinderela, Lúcia, no salto o diamante!
Rasgas o salão em fogo com o voo de um
pontapé letal.
És filha do Demónio, encarnação do que de

bem tem o Mal, és deficiente, perturbada e
carente, bela e o monstro mutante!

Volta, volta! Oh voluptuosa carnação na volta
do mundo!
Resvala-te dos mamilos a prole celestial

metalizada, virgem que engoles o abismo nesse
peito imundo, fonte do nada, jorro de ouro e
fecundidade onde morrem os sãos!

Pecados, pecados! Garras de Celeno, adornos
nessas mãos, que à acutilância dos lábios levam
a vida dos homens.
Rainha prostrada do sono eterno, Sereia és
sobre Orfeu, canto que jazes sobre a força do
Eu, pedra tumular sobre os olhos!

Alícia, delicia, inocência! Criança loira de olhar

frio, Filha de Lúcifer, Glória imortal, aos justos
e anjos a perda da Fé e da Moral, rainha
tua sagrada demência!

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Estilhaço

Estilhaço. Um pedaço de luz, contorno quebrado, ser cortado, alado onde não podia, cai no chão redondo, murmurante.
Estilhaço de loiça, alvo sereno, branco relento, deslizante contemplo. Gravita no ar entre o tampo e chão. Embate no ladrilho, arrastado a jusante.

O estilhaço é a esperança que gritas escorraçada.

Estilhaço de vida, lágrima em cristal, num golpe de mão voa velho onde nada para morrer criança.

Estilhaços, num credo, que me roubaram incompleto. O estilhaço ficou onde a vontade morreu como a Fénix. E se todas as vidas nos fossem estilhaçadas, a Esperança amadureceria novamente, pois nem todo o Mal sabe que antes de cozidas todas as loiças são Verdes!

domingo, 18 de outubro de 2009

Um dia destes virava-me para as mulheres

É uma indecência mas bem que até podia não ser. Escondes-te a ti e à vontade, como se fosse um jogo estúpido para crianças que nunca se aborrecem. Escreves bem, tiras óptimas fotos, coordenas tão bem esse pensamento e ainda tens tempo para a música. Entretanto, com um pouco de jeito e mais uma achega de adjectivos consegues estar em forma, ser aquele corpo de morrer, ou mais poeticamente, que faz chamar a morte. És giro, e tens aquele toque que te torna ligeiramente estranho. Ou seja, és o encanto, não tens o cavalo que as pessoas acreditam ser sempre branco, mas és tudo, e no espelho que são os teus olhos, há aquela leitosa promessa de não ter de pensar no dia de amanhã. E com todos os filmes em que te meto, a decepção é curiosamente pouca, quando na realidade me parece que sou apenas mais um aluno que tratas com educação mas indiferentemente, isto é, hoje a manhã no ginásio poderá ter sido só mais um sonho. Tu e todos os outros. Constantemente.

Queria a merda do meu coração de volta, por favor.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Agustina

Sei mãe, que já muitas vezes discorri sobre o sinuoso caminho das palavras. Fez ontem um ano a carta em que tu, Maria, me fizeste Jesus e abriste no meu peito, das chagas a rainha. Não se me afigura maior abismo que este mar de Inverno onde mergulhamos juntos, puxados por esta âncora não mais de carne que nos liga. Mata-me saber-te assim sozinha nesse teu mundo onde o amor é uma sangria desatada a que ninguém acorre. Também tu tiveste vinte anos e acreditaste no mundo que te rodeava, também tu viste o afecto como única moeda de troca. Mas mãe, cedo aprendi que é pobre o mundo e o discernimento dos Homens. Vasta a sua ingratidão e o seu desconhecimento.

São tristes os quadros destas paredes, penumbras e reminiscências de outros, loucos mestres, que nos antecederam. Não são Homens nestes quadros, mas animais belos que queremos abatidos e decorados à mesa, onde comemos com os olhos a volúpia da sua mudez. Temo por nós mãe, pedintes que somos de um coração maior que nós. Ah quem me dera! Pegar esse peso pelo alvo pescoço, e tirar-lhe o sopro, lançá-lo às chamas para que devorassem matas e selvas, e transformassem todo o mundo numa pedra. Seria um profundo eterno este amor, tudo isto que temos tão mais que sacrifício ou sangue! Um dia mãe! Seduzir e abate-la, apunhalar essa agonia e arrastá-la pelas praças. Ah! Que brancas essas telas, legítimos esses trabalhos!

Neste mundo ninguém sabe nada, nem os que escrevem bem. Disse há uns anos Agustina que respeita os homossexuais, mas detesta os maricas. Pergunto-me mãe, será ela das tuas? Tem filhos? Quem é? Onde foi? Vamos na rua mãe, eu pela tua mão, naqueles sapatinhos pretos que troquei uma vez com os de outro menino no colégio. Encho-te de perguntas, e tu sorris-me as respostas no sol da tua voz. E assim levantas-me do chão, ergues-me homem nos anos, e dizes que me amas, mas que agora sentes frio o mundo…
É barroca mãe, esta pérola que Cristo derrama ao ver Maria na sua cruz. Ingratos os Homens e podre a terra. Mas luto por ti, pelo que és e pelo que somos através de mim, por isso a vejo mãe …



Vai Agustina! Toma a faca… Que delícia! Languidamente rodando o seu fio nos pulsos. O Orgasmo! Inundação, ah!… Afinal também tu foste traída pelas palavras.