terça-feira, 13 de outubro de 2009

Agustina

Sei mãe, que já muitas vezes discorri sobre o sinuoso caminho das palavras. Fez ontem um ano a carta em que tu, Maria, me fizeste Jesus e abriste no meu peito, das chagas a rainha. Não se me afigura maior abismo que este mar de Inverno onde mergulhamos juntos, puxados por esta âncora não mais de carne que nos liga. Mata-me saber-te assim sozinha nesse teu mundo onde o amor é uma sangria desatada a que ninguém acorre. Também tu tiveste vinte anos e acreditaste no mundo que te rodeava, também tu viste o afecto como única moeda de troca. Mas mãe, cedo aprendi que é pobre o mundo e o discernimento dos Homens. Vasta a sua ingratidão e o seu desconhecimento.

São tristes os quadros destas paredes, penumbras e reminiscências de outros, loucos mestres, que nos antecederam. Não são Homens nestes quadros, mas animais belos que queremos abatidos e decorados à mesa, onde comemos com os olhos a volúpia da sua mudez. Temo por nós mãe, pedintes que somos de um coração maior que nós. Ah quem me dera! Pegar esse peso pelo alvo pescoço, e tirar-lhe o sopro, lançá-lo às chamas para que devorassem matas e selvas, e transformassem todo o mundo numa pedra. Seria um profundo eterno este amor, tudo isto que temos tão mais que sacrifício ou sangue! Um dia mãe! Seduzir e abate-la, apunhalar essa agonia e arrastá-la pelas praças. Ah! Que brancas essas telas, legítimos esses trabalhos!

Neste mundo ninguém sabe nada, nem os que escrevem bem. Disse há uns anos Agustina que respeita os homossexuais, mas detesta os maricas. Pergunto-me mãe, será ela das tuas? Tem filhos? Quem é? Onde foi? Vamos na rua mãe, eu pela tua mão, naqueles sapatinhos pretos que troquei uma vez com os de outro menino no colégio. Encho-te de perguntas, e tu sorris-me as respostas no sol da tua voz. E assim levantas-me do chão, ergues-me homem nos anos, e dizes que me amas, mas que agora sentes frio o mundo…
É barroca mãe, esta pérola que Cristo derrama ao ver Maria na sua cruz. Ingratos os Homens e podre a terra. Mas luto por ti, pelo que és e pelo que somos através de mim, por isso a vejo mãe …



Vai Agustina! Toma a faca… Que delícia! Languidamente rodando o seu fio nos pulsos. O Orgasmo! Inundação, ah!… Afinal também tu foste traída pelas palavras.

1 comentário:

  1. O teu olhar é nítido como um girassol,
    Tens o costume de andar pelas estradas
    Olhando para a direita e a esquerda
    E de vez em quando olhando para trás...

    E o que vês a cada momento
    É aquilo que nunca antes tu tinhas visto,
    E tu sabes dar por isso muito bem...
    Sabes Ter o pasmo essencial que tem uma criança
    Se ao nascer, reparasse que nasceras deveras...

    Sentes-te nascido a cada momento
    Para a eterna novidade do Mundo

    Crês no mundo como um malmequer
    Porque o vês, mas não pensas nele
    Porque pensar é não compreender

    O mundo não se fez para pensarmos nele
    (Pensar é estar doente dos olhos)
    Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

    Tu não tens filosofia, tens sentidos...
    Se falas na natureza não é porque a amas, ama-la por isso,
    Porque quem ama nunca sabe o que ama.
    Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
    Amar é a eterna inocência
    E a única inocência é não pensar.

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