quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Rascunho de maturidade

Habituei-me a olhar para a infância como uma linha. Não importa de que lado me perspectivo, é impossível dizer onde estaria melhor. Há pessoas que, claramente, nasceram com o azar estampado na cara, são feias que dói, e ofendem-se, como qualquer ofendido, tanto com o gozo do anónimo descarado como com a piedade do amigo íntimo. Suspeito que a confundam com uma qualquer falsa modéstia de quem a seu lado não parece assim... tão agraciado. Mas não tem mal, os feios, como os bonitos, e até os demasiado conscientes do seu brilho, são maioria em qualquer lado.
Eu achava-me bonito. Em miúdo ia na rua pela mão da mamã e sempre que aparecia uma conhecida, tau! "que olhos tão bonitos!". Toda a santa hora. Foi por essa altura que interiorizei essa vantagem. Era a minha arma número um, olhar. Sempre que havia miúdos novos na proximidade ao primeiro contacto dava-lhes aquele ar de esbugalhado cósmico, e com esse olho de boi agrilhoava qualquer agressividade que me pudessem guardar. Funcionou durante muito, uma eternidade de dia, até que finalmente pestanejei. Agora ensaiando esse pânico que disfarça o pânico que realmente sinto, pestanejo. Quando pestanejo baixo a guarda, quando não, também. Quando pestanejo sou estranhado, mesmo agredido, mas quando aguento esse espelho da alma, tenho sexo, bastante garantido. É penoso que assim seja, duvido até que justa a troca, por não ter tido dentes de ciso, crescer já é a minha derradeira derrota.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Neste espaço toda a subjectividade de um substantivo.



Cenas, cénicas, seca do caralho quando o 'c' encaracola. O que sucede é que tenho trava-línguas muito próprios. Eu não sou cético, nem irónico, mas já estive nesse lugar, onde essas coisas distintas se conjugaram num muito próprio fel, típico de uma fase que atravessam quase todos os adolescentes. Confesso que me ficou o gostinho, porque era bom ser a puta que trazia o nojo e o descrédito à conversa, fogueava os canteiros e electrocutava os passarinhos. Mas como toda a menção na vida acabou por me passar, e assim fiquei, com a palete seca. Seca do caralho, mas não para sempre, porque de quando em quando pinga, hormonas que se amotinam no cérebro. E quase me rebenta a cabeça no esforço! Não sei se não posso, se não quero ou não mereço. Acontece que ceticismo e ironia jogam muito em sensualidade e eu sou a primeira na fila para ser chulada. Agora, como raio convenço com verdade o afecto que posso, a uma criança maliciosa que me devolve o sorriso d'escárnio e não me quer porque perdi primeiro?