segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Salve Rainha

Linda, Linda! Posas rodopiante, estática
Cinderela, Lúcia, no salto o diamante!
Rasgas o salão em fogo com o voo de um
pontapé letal.
És filha do Demónio, encarnação do que de

bem tem o Mal, és deficiente, perturbada e
carente, bela e o monstro mutante!

Volta, volta! Oh voluptuosa carnação na volta
do mundo!
Resvala-te dos mamilos a prole celestial

metalizada, virgem que engoles o abismo nesse
peito imundo, fonte do nada, jorro de ouro e
fecundidade onde morrem os sãos!

Pecados, pecados! Garras de Celeno, adornos
nessas mãos, que à acutilância dos lábios levam
a vida dos homens.
Rainha prostrada do sono eterno, Sereia és
sobre Orfeu, canto que jazes sobre a força do
Eu, pedra tumular sobre os olhos!

Alícia, delicia, inocência! Criança loira de olhar

frio, Filha de Lúcifer, Glória imortal, aos justos
e anjos a perda da Fé e da Moral, rainha
tua sagrada demência!

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Estilhaço

Estilhaço. Um pedaço de luz, contorno quebrado, ser cortado, alado onde não podia, cai no chão redondo, murmurante.
Estilhaço de loiça, alvo sereno, branco relento, deslizante contemplo. Gravita no ar entre o tampo e chão. Embate no ladrilho, arrastado a jusante.

O estilhaço é a esperança que gritas escorraçada.

Estilhaço de vida, lágrima em cristal, num golpe de mão voa velho onde nada para morrer criança.

Estilhaços, num credo, que me roubaram incompleto. O estilhaço ficou onde a vontade morreu como a Fénix. E se todas as vidas nos fossem estilhaçadas, a Esperança amadureceria novamente, pois nem todo o Mal sabe que antes de cozidas todas as loiças são Verdes!

domingo, 18 de outubro de 2009

Um dia destes virava-me para as mulheres

É uma indecência mas bem que até podia não ser. Escondes-te a ti e à vontade, como se fosse um jogo estúpido para crianças que nunca se aborrecem. Escreves bem, tiras óptimas fotos, coordenas tão bem esse pensamento e ainda tens tempo para a música. Entretanto, com um pouco de jeito e mais uma achega de adjectivos consegues estar em forma, ser aquele corpo de morrer, ou mais poeticamente, que faz chamar a morte. És giro, e tens aquele toque que te torna ligeiramente estranho. Ou seja, és o encanto, não tens o cavalo que as pessoas acreditam ser sempre branco, mas és tudo, e no espelho que são os teus olhos, há aquela leitosa promessa de não ter de pensar no dia de amanhã. E com todos os filmes em que te meto, a decepção é curiosamente pouca, quando na realidade me parece que sou apenas mais um aluno que tratas com educação mas indiferentemente, isto é, hoje a manhã no ginásio poderá ter sido só mais um sonho. Tu e todos os outros. Constantemente.

Queria a merda do meu coração de volta, por favor.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Agustina

Sei mãe, que já muitas vezes discorri sobre o sinuoso caminho das palavras. Fez ontem um ano a carta em que tu, Maria, me fizeste Jesus e abriste no meu peito, das chagas a rainha. Não se me afigura maior abismo que este mar de Inverno onde mergulhamos juntos, puxados por esta âncora não mais de carne que nos liga. Mata-me saber-te assim sozinha nesse teu mundo onde o amor é uma sangria desatada a que ninguém acorre. Também tu tiveste vinte anos e acreditaste no mundo que te rodeava, também tu viste o afecto como única moeda de troca. Mas mãe, cedo aprendi que é pobre o mundo e o discernimento dos Homens. Vasta a sua ingratidão e o seu desconhecimento.

São tristes os quadros destas paredes, penumbras e reminiscências de outros, loucos mestres, que nos antecederam. Não são Homens nestes quadros, mas animais belos que queremos abatidos e decorados à mesa, onde comemos com os olhos a volúpia da sua mudez. Temo por nós mãe, pedintes que somos de um coração maior que nós. Ah quem me dera! Pegar esse peso pelo alvo pescoço, e tirar-lhe o sopro, lançá-lo às chamas para que devorassem matas e selvas, e transformassem todo o mundo numa pedra. Seria um profundo eterno este amor, tudo isto que temos tão mais que sacrifício ou sangue! Um dia mãe! Seduzir e abate-la, apunhalar essa agonia e arrastá-la pelas praças. Ah! Que brancas essas telas, legítimos esses trabalhos!

Neste mundo ninguém sabe nada, nem os que escrevem bem. Disse há uns anos Agustina que respeita os homossexuais, mas detesta os maricas. Pergunto-me mãe, será ela das tuas? Tem filhos? Quem é? Onde foi? Vamos na rua mãe, eu pela tua mão, naqueles sapatinhos pretos que troquei uma vez com os de outro menino no colégio. Encho-te de perguntas, e tu sorris-me as respostas no sol da tua voz. E assim levantas-me do chão, ergues-me homem nos anos, e dizes que me amas, mas que agora sentes frio o mundo…
É barroca mãe, esta pérola que Cristo derrama ao ver Maria na sua cruz. Ingratos os Homens e podre a terra. Mas luto por ti, pelo que és e pelo que somos através de mim, por isso a vejo mãe …



Vai Agustina! Toma a faca… Que delícia! Languidamente rodando o seu fio nos pulsos. O Orgasmo! Inundação, ah!… Afinal também tu foste traída pelas palavras.