Habituei-me a olhar para a infância como uma linha. Não importa de que lado me perspectivo, é impossível dizer onde estaria melhor. Há pessoas que, claramente, nasceram com o azar estampado na cara, são feias que dói, e ofendem-se, como qualquer ofendido, tanto com o gozo do anónimo descarado como com a piedade do amigo íntimo. Suspeito que a confundam com uma qualquer falsa modéstia de quem a seu lado não parece assim... tão agraciado. Mas não tem mal, os feios, como os bonitos, e até os demasiado conscientes do seu brilho, são maioria em qualquer lado.
Eu achava-me bonito. Em miúdo ia na rua pela mão da mamã e sempre que aparecia uma conhecida, tau! "que olhos tão bonitos!". Toda a santa hora. Foi por essa altura que interiorizei essa vantagem. Era a minha arma número um, olhar. Sempre que havia miúdos novos na proximidade ao primeiro contacto dava-lhes aquele ar de esbugalhado cósmico, e com esse olho de boi agrilhoava qualquer agressividade que me pudessem guardar. Funcionou durante muito, uma eternidade de dia, até que finalmente pestanejei. Agora ensaiando esse pânico que disfarça o pânico que realmente sinto, pestanejo. Quando pestanejo baixo a guarda, quando não, também. Quando pestanejo sou estranhado, mesmo agredido, mas quando aguento esse espelho da alma, tenho sexo, bastante garantido. É penoso que assim seja, duvido até que justa a troca, por não ter tido dentes de ciso, crescer já é a minha derradeira derrota.